O som da chuva é tão reconfortante. Me faz sentir bem, segura, em casa. Claro, também me faz me sentir mais sem você, mas isso realmente importa? É parece que sim. Visto um casaco enorme e abro a porta.
O
corredor está vazio. Ninguém quer sair com essa chuva. Eu não me importo.
Preciso de café e chocolate, a mercearia é na esquina. O guarda-chuva enorme me
tampa de qualquer respingo. É uma pena, gosto de pegar chuva. Mas mesmo assim
preciso dele.
O guarda-chuva é seu, você também esqueceu ele, mas eu não me importo mais.
O guarda-chuva é seu, você também esqueceu ele, mas eu não me importo mais.
Quando
abro a porta da mercearia à dona me olha desconfiada. Ninguém sairia com um
temporal desses.
__Boa
tarde. – Grito da porta e vou atrás do meu café e do chocolate.
Pago
tudo a dona da mercearia, uma senhora de uns 70 e poucos anos com cara de
poucos amigos. E um cabelo mal pintado e espetado.
O
guarda-chuva está pingando, isso deve tê-la irritado.
Me
viro para ir embora e congelo. É você. O que faz aqui? Seu rosto mostra tanto
espanto quanto deve estar o meu. Por que você faz isso? Insiste em reaparecer
como uma ferida que não cura?
Não,
me desculpe. A culpa não é sua, eu sei. Saio do meu estado de estupor e dou um
passo. Oras, pare de me olhar, não me tente. Sua barba cresceu de um jeito que
sei que detesta. Sei o que meu olhar diz agora. Diz medo, dor, insegurança, de
fato, mas também diz alegria de um tempo que se foi.
A
dona da mercearia tosse com um ruido seco pra afirmar que quer que eu saia logo, deve estar furiosa porque depois terá que limpar a água que o guarda-chuva pingou. E que continua
pingando mesmo que suavemente. O som das gotas é como o nosso tempo. Pingando,
derretendo, se esvaindo.
__Oi.
– Você dá um passo e me cumprimenta sorrindo.
Do
mesmo jeito que fez quando chegou à minha casa naquela tarde tempestuosa e
molhou todo o chão da minha sala com os pingos do seu guarda-chuva.
__Por que está brava? Eu limpo – disse
com um sorriso de deboche.
__Molhou tudo, agora vai ser terrível
pra secar e o chão vai ficar muito frio.
__Se você não andasse descalça no
apartamento não teria esse problema. – Chegou perto e me deu um beijo molhado.
__Pendura o guarda-chuva no armário. E não, eu limpo, se você tentar ainda vai
acabar piorando tudo. Faça um café pra gente que até ele ficar pronto eu termino de limpar essa bagunça. – Eu disse apontando pra minúscula cozinha.
Um
trovão me trás de volta ao presente.
__Oi.
O guarda-chuva é seu. – Estico a mão que segura o guarda-chuva e ela fica no
ar, um divisor de águas. O som da chuva diminui.
Você
pega o guarda-chuva. Seguro minha sacola e finalmente saio da mercearia. Para o
desespero da dona eu fui, mas o guarda-chuva ficou. E os pingos também.