segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

AQUELE DIA




O que acontece durante a vida que nos deixa tão estáticos? Em algum momento desse grande turbilhão é como se um caminhão carregado de quinquilharias passasse por cima de nós diversas vezes ao ponto de esquecermos quem éramos, o que fazíamos, como seríamos e nos tornemos grandes máquinas de nada. Máquinas feitas para ser exatamente aquilo que os caminhões carregam. Quinquilharias motoras. Feitos para agir automaticamente frente a qualquer situação ou desgosto até alegria. Foi depois daquele dia. Você pode até pensar que sente, que tudo é intenso, mas ao mesmo tempo, sabe que não é real. Que não é como outrora fora e que agora não passa de um monte de sucata.
Foi exatamente assim que eu estava quando passei por aquela parede. Aquela com um rachado bem no meio que divide aquele prédio como se quisesse cortá-lo no meio. O céu estava cinza, a chuva havia sido anunciada nos jornais matutinos, mas mesmo assim resolvi sair. Preciso de café, pensei. Preciso de combustível para sobreviver. Eu poderia ter feito o café em casa como todos os dias, mas pensei “Quero algo diferente” como todos os que pensam que tomar um café em um lugar diferente é diferente. Ainda estava parada em frente a parede quando senti o vento surrupiando por entre meu casaco tentando me tirar dali. “O que você faz aqui?” Ele perguntou “Não sei” respondi. Ele começou a me puxar, mas por algum motivo não consegui sair. Aquele rachado. Aquele vento. Vi que as pessoas ainda transitavam ao meu redor mecanicamente. Como podem? Eu pensei. São só robôs. Depois daquele dia. A parede estava gasta e descascada. Toquei-a. Senti. Aquele rachado. Um frio na barriga.
Seria alucinação? Não. O vento gritou me alertando para que fugisse do terrível perigo, mas eu resisti. O que era aquilo? O que era? eu rebati quando o vento começou a soluçar em pânico. O QUE ERA? Eu rugi e ele parou.
“Aquilo?” Apontou pro rachado. Eu acenei. “É você. São vocês.”
A princípio não entendi. Depois descobri que ele tinha razão. Aquilo. Ele me puxou gentilmente na direção do café quando o céu tentou me abraçar, molhando meu casaco. Ainda me lembro daquele dia. Daquele céu.