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Goiânia
é uma cidade de guerra, de abandonos, de reclamações, cidade de cultura. É uma
cidade onde supostamente se predomina o sertanejo, onde as ruas são tão
esburacadas quanto os cidadãos e onde a dança e a arte urbana predomina
escondida de olhares conservadores.
“Que
nada, Goiânia é sertanejo, é raiz!”, frase comum de ser ouvida da boca dos
Goianos mais velhos é essa, pouco sabem eles que a cidade já foi tomada de
inovações e já é uma mistura de ritmos, que vai do jazz ao rock’n roll.
Os
mais velhos ficam sentados em seus banquinhos na porta de suas casas, ora
papeando sobre a vida alheia, ora com seus radinhos de pilha procurando
incessantemente por uma rádio em que ainda predomina aquilo que consideram a
raiz de sua cultura.
Quando
o tão comum carro cheio de som passa nessa mesma rua pacata tocando em alto e
bom som, graves tão profundos que chegam a tremer as paredes, eles reclamam.
Reclamam e esperam ansiosamente por aqueles tempos melhores da capital, quando
o único som era esse mesmo baixinho de seus radinhos de pilha com o tão
esperado sertanejo Raiz.
Então
se faz guerra, de um lado os conservadores sertanejos, do outro, os jovens
rebeldes que querem mudar a cara de Goiânia para o agora, o pop, o rock, o
soul, o pagode e todos os ritmos ao qual eles tem direito.
Todos
os dias esses mesmos jovens e velhos que vivem em guerra, entretanto se unem,
para porém esquecer. Esquecer das inúmeras pessoas pelas quais passam todos os
dias e ignoram, porque estão preocupados demais definindo que cidade é essa.
Essas
mesmas pessoas ignoradas são aquelas que pouco se importam com as guerras de
tribos e querem apenas viver. Viver, trabalhar, sentir, serem vistos. Todos os
dias um senhor de idade, em situação de rua, pega sua tela, suas miçangas e vai
para o lago das rosas vender lindas bijuterias artesanais.
Sua
arte é ignorada, abandonada pelos passantes que não veem o talento que
transborda diante dos seus olhos. Mas ele não liga, se acostumou ao abandono,
aos olhares de desprezo que tantas pessoas preconceituosas o julgam ‘drogado’, ‘sem-teto’
‘deve ser uma vida vazia’.
Ele
no entanto não se importa, ou finge que não se importa, é feliz sem se
preocupar com tantas bobagens que deixa as pessoas loucas e estressadas e fica
extasiado quando um passante para por alguns segundos e pergunta “quanto é a
pulseira?”.
Essa
é a arte do abandono, a qual os Goianos conhecem tanto. Goiânia tem em média
cem mil cães abandonados e inúmeros gatos de rua, dentre os quais a maioria são
jogados na rua ao nascerem, ou simplesmente deixados para trás porque o dono se
cansou.
Os
cães no entanto também não são tristes, formam suas próprias comunidades e
alguns, aqueles que tem sorte e são ‘bonitinhos’ nem precisam fuçar o lixo para
encontrar comida. Ficam cercando açougues e pequenos mercados onde no fim do
dia tem uma deliciosa refeição de restos e ossos.
Já
os gatos, que são maioria não tem a mesma sorte. Grande parte dos Goianos
repudiam os gatos, preferindo os cães. Talvez por uma rixa tão passada que nem
eles mesmos se lembrem. Os poucos que se compadecem dos animais, no entanto,
não são suficientes e restam aos gatos, bonitos ou feios, as velhas sobras que
ficam nas calçadas mofando e apodrecendo em sacos de lixo.
As
três da tarde, Goiânia se torna uma cidade de reclamações. Não das ruas
esburacadas, dos assaltos, nem do que vai acontecer nas tramas das novelas
mexicanas que predominam, mas do clima.
Não
importa qual seja o tempo, calor escaldante ou chuva, porque é assim que estão
divididas as estações, mas não importa qual seja ela, resta ao Goiano reclamar:
“Está quente demais!”, “Está frio demais!”, “Está ventando demais!”, “Está
abafado demais!”.
As
escolas são antecipadas, as sete da manhã, quando os alunos se sentam em suas
carteiras para mais um dia de aula sua frase de bom dia é seguida por um “Nossa
tá quente né?” e “Nossa cara, tá frio demais!” ou ainda um “Eu acho que hoje o
dia vai ser de rachar!” e para confirmar os comentários, chega o professor
Goiano confirmando que o clima na capital está desregulado e a umidade .
Para
os mais velhos esse clima estranho e sem forma da capital é tolerável. Sem
reclamações... Até eles pegarem seus banquinhos e radinhos a pilha e irem se
sentar à tarde na porta de suas casas para conversar. “Esse clima de Goiânia é
terrível, assim a gente não aguenta”, reclama a Senhora Sebastiana Maria, sobre
o calor escaldante que a atrapalha a se concentrar na reprise da novela
mexicana, mesmo com um ventilador a sua disposição.
O
que muitos não sabem no entanto, é que o clima pode ser relativo e enquanto os
Brasileiros se agasalham com vários casacos e logo calçam suas botas quando faz
20°C, os gringos saem as ruas de bermudas e chinelos preparados para um dia
refrescante agradecendo pelo calor de 20°C.
A
reclamação é tão bem vinda pelos Goianos que quando finalmente o clima agrada,
restam outras reclamações. Da falta de praças, das praças em excesso, das ruas
estreitas, das ruas largas, da falta de atividades noturnas, da vida noturna,
do sertanejo, do pop, dos cães e gatos abandonados.
Goiânia
é uma cidade de arte, cidade de cultura. Cultura dividida, entre é claro, os conservadores
e a cultura pop. Mas é inegável que a capital é rica em cultura: a cultura pop
é o que predomina.
“Goiânia
é alternativa” comenta o modelo Daniel no desfile de moda alternativa Autentic
Fashion “Mas é uma alternativa escondida, negada pelos conservadorismo da
cidade”.
Os
grafites já conseguiram sair da guerra sertanejo/pop e são abraçados por todos.
Abraçados e respeitados, tanto que onde tem grafite não tem pichação, os
pichadores não ousam estragar o trabalho do grafiteiro. É arte. Arte que agora
estampa diversos muros e até lojas que usam o respeito entre grafiteiros e
pichadores para fugirem do vandalismo.
O
talento de Goiânia está estampado pela cidade, nos muros, nos vendedores de
bijuterias artesanais, na dança, no teatro e em tantos outros espetáculos, que
caminham anônimos pelas ruas com pequenas ações. A maioria nega é claro, mas o
que se destaca é o alternativo. O diferente, que assusta o conservador com a
ousadia de usar cabelos coloridos, roupas diferentes, e talento que esbanja.
Cidade
de lutas, de pessoas simples, pessoas que reclamam, que agradecem, cidade
sertaneja, pop, de abandonos, reencontros, de cultura, mas acima de tudo cidade
de pessoas contraditórias, que discordam dos atrativos de Goiânia, mas sempre
se unem para defender a cidade quando alguém de fora critica: “Aqui é
tranquilo, bom” e só assim se permitem revelar o sabor de viver em Goiânia.
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